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terça-feira, 30 de agosto de 2011

VIVER DE QUADRINHOS......




Todos sabemos que as histórias em quadrinhos tem ganhado muita atenção nos últimos anos. Todos sabemos que o número de leitores de HQ vem aumentando todos os dias. Todos sabemos que os quadrinhos ganharam o coração da mídia, de Hollywood, das grandes editoras. Todos sabemos que hoje existem mais aspirantes a quadrinistas como nunca antes mas nem todos sabemos que produzir uma HQ é uma das tarefas mais difíceis do mundo. Pra justificar rapidamente a dificuldade de se fazer uma HQ, apenas imagine um filme -que é considerado uma das coisas mais difíceis de se realizar no planeta – feito por apenas uma ou duas pessoas. Comparação exagerada? Talvez, mas é mais ou menos isso, criativamente falando. É claro, existem as histórias em quadrinhos de estúdios como o do Maurício de Sousa, da Marvel e DC Comics, que delegam funções para profissionais diferentes. Mas eu estou falando de quadrinhos de autor, que na maioria dos casos é produzida por um ou dois artistas – sem contar com o editor, o colorista e o letrista, pois aqui no Brasil a grande parte dos autores ainda faz tudo. É como se uma pessoa fosse o diretor, roteirista, diretor de fotografia, diretor de arte, figurinista, diretor de casting, de efeitos especiais, e todos os outros muitos status ao mesmo tempo. Tecnicamente falando, é ter a idéia, escrever a sinopse, argumento e roteiro, criar os personagens, suas personalidades, diferenças e gostos, seus conflitos, seus estilos e figurinos, escrever os diálogos, planejar, dividir o roteiro em páginas, as páginas em quadros, inventar os planos de câmeras para cada quadro, elaborar a composição, o design das páginas, o equilíbrio estético do preto e branco, desenhar cada páginas a lápis e todos os cenários e sua arquitetura, pontos de fuga e perspectivas, anatomia humana, expressões corporais e faciais, poses e movimentos, luz e sombra, etc, e depois arte finalizá-las com nanquim ou outra tinta, colorir as páginas – manual ou digitalmente- e letreirar os balões. Após tudo isso, diagramar as páginas e mandar para a gráfica. Se o autor trabalha com uma editora, essa parte da diagramação, impressão e distribuição não é feita por ele, mas se a HQ é independente, sim. Agora divida essas fases e pense que cada uma necessita de muito estudo, dedicação, prática e acima de tudo talento e bom gosto – até para o mau gosto, se for o caso- para que seja produzido uma HQ de qualidade. Quando vemos um filme ou uma peça de teatro, escutamos um disco, vemos uma pintura, lemos um livro ou uma história em quadrinhos, nunca pensamos em quantos litros de suor foram derramados até aquilo chegar ao nosso alcance. Acredite, daria pra encher piscinas olímpicas. E quanto menos você percebe o trabalho que deu e quanto mais fluida é sua leitura, mais a dedicação e o talento estão impressos ali. Mas como eu já havia escrito lá em cima, nem todos sabem que fazer quadrinhos autorais é comparável aos doze trabalhos de Hércules. E como nem todos sabem, sempre haverá muitas dúvidas e é aqui onde eu quero chegar. Recebo muitos e-mails, mensagens e tweets de aspirantes a quadrinistas de tudo quanto é canto com muitas perguntas. E eu nunca tenho tempo para responder. Então resolvi fazer um post com o que seriam as respostas para as perguntas mais recorrentes.

- Sim, tenho a plena e absoluta certeza de que história em quadrinhos é arte, isso não deveria nunca mais ser discutido. E não só na minha opinião, na das pessoas mais inteligentes e esclarecidas do mundo também. Não, não acho que HQ é literatura. É só você ler um livro e depois uma HQ que a resposta será fácil, são coisas bem diferentes.

- Pra você conseguir ser publicado por uma editora, precisa no mínimo ter feito uma HQ antes. Guarde o dinheiro da cerveja e pague a impressão do bolso. Se teus pais podem te ajudar, melhor ainda, mas te garanto que pagar do bolso é muito mais gratificante.

- Sim, acho que fazer cursos pra aprender as técnicas é muito legal, apesar de eu ser autodidata. Em São Paulo, indico a Quanta Academia de Arte – dá um Google. Se não morar em São Paulo, dá um Google pra encontrar uma escola de quadrinhos ou workshops na sua cidade, mas cuidado, tem muito picareta por aí. Procure saber quem são os professores. Se não houver cursos na sua cidade, use e abuse da internet, tem muitas dicas e aulas prontas na rede, de caras bons. Na minha época não tinha Google, então não reclame.

- Minhas idéias vem do mesmo lugar que as suas. Preste atenção nos seus gostos pessoais e misture-os pra ver o que sai. Temos gostos e desgostos, coisas nos agradam e coisas nos incomodam. Tente encontrar algo que faça sentido pra você nisso tudo. Mas não é porque você tem a necessidade de se expressar e contar histórias que as pessoas são obrigadas a lê-las e curtir o que você faz. Se não acontecer um retorno imediato ou crescente, tenha paciência e estude mais, dedique-se mais. O problema é com as suas idéias e não com as pessoas -elas estão bem afim de coisas boas. As vezes suas referências podem não ser tão legais assim quanto você pensa, então procure conhecer os grandes, os clássicos, os cultuados e não só os que estão na moda. Copiar descaradamente um outro artista é desejar ser apenas mais uma cópia. Você pode até conseguir trabalho copiando algum artista da moda, mas é um tiro no pé, pois pode queimar seu filme com muita gente e atrasar sua evolução pessoal.

- Não, não posso indicá-lo para nenhum editor ou agente só porque você me mandou um e-mail. Também não avalio portfólios online.

- Não importa se você é um bom desenhista, você só vai ser um bom quadrinista se for capaz de contar histórias, da maneira que for, não existe regra. Se você leu minha introdução já sacou a treta, né?

- Sim, quadrinistas são muito ocupados e dificilmente vão responder suas mensagens ou emails. Adicionar seu quadrinista preferido no Facebook e segui-lo no twitter não quer dizer que ele é seu amigo e que você tem o direito de apurrinhá-lo sem parar, ele só vai te desprezar por isso. Não é enchendo o saco dos artistas que você admira que vai fazer eles te admirarem. Você não vai ser tão bom quanto eles se não sair da frente do computador. Não seja um mala que acha que pode fazer quadrinhos, pois isso tem aos montes. O que falta é aspirante dedicado, que trabalha seu talento. Não é porque você tem menos de dezoito anos e faz umas páginas de quadrinhos que os artistas vão se comover com você e vão achar o seu trabalho legal. Provavelmente o que você está fazendo ainda é ruim -por mais que sua mãe e seus amigos digam o contrário. Então, pratique pra chegar em um outro nível e só assim ganhar respeito.

- Uma dica? Viaje, leia bons livros, assista bons filmes, vá a bons shows, escute música boa, faça sexo, tome um porre, não aceite desaforos, tenha personalidade, tenha opinião, viva. Ser um bom desenhista não quer dizer que você é um bom artista. Adquira experiência pela sua própria ótica para poder criar suas próprias histórias e desenvolver um traço que seja seu. Mas não seja imediatista pois isso leva tempo. Relaxe e nunca pare de praticar, pois é muito prazeroso. Se você ainda não se convenceu de que se dedicar aos quadrinhos é prazeroso, vá fazer outra coisa, está perdendo seu tempo. E ter lido todas as HQs da Marvel e da DC só quer dizer que você é um fanboy e que pra fã você está pronto, pra ser um artista, não. Quando você for a uma convenção de quadrinhos pra mostrar o seu trabalho, espere até o artista que você for pedir para avaliá-lo dizer quando é a hora certa para isso ser feito. Geralmente eles estão dando autógrafos, vendendo seu material ou se divertindo, então tenha paciência. Se você tiver, vai conseguir, todo mundo já passou isso. Respeitando o tempo dele você vai ter sua atenção voltada só para você e para o seu portfólio e assim tirar muitas dicas boas, talvez até impressioná-lo, conseguir uma indicação. Cuidar um pouco da aparência e higiene pessoal nessas horas só ajuda. Você pode até ser um puta-artista-doidão-que-não-liga-pra-nada-esperando-o-Andy-Warhol-te-descobrir, mas certamente vai ter algumas dificuldades sociais para mostrar seu trabalho se ignorar que a maioria das pessoas considera assepsia o melhor cartão de visita.

- Me nego a responder se “dá pra viver de quadrinhos”.

Bom, espero ter respondido algumas das perguntas que eu recebo pela internet. Eu também gostaria que as perguntas fossem mais profundas, mas essas geralmente são feitas ao vivo. Eu também tinha minhas dúvidas e eram bem estúpidas. Se você realmente quer ser um quadrinista, saiba que todas as suas perguntas só serão respondidas enquanto você estiver sentado em frente a sua prancheta, praticando.

Um abraço,

R. Grampá(IG)


Perfil

Rafael Grampá é autor de Histórias em Quadrinhos, ganhador dos prêmios HQ MIX e Eisner Awards. Lançou Mesmo Delivery, seu debut, no Brasil, EUA e Itália, já fez sua versão do Wolverine para a Marvel Comics e vem trabalhando em uma série de sua autoria para a editora estadunidense Dark Horse Comics intitulada "Furry Water and The Sons of the Insuurrection", co-roteirizada pelo escritor Daniel Pellizzari.








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